O chamado “princípio da motivação” implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato.

O dever de motivar é exigência de uma administração democrática – e outra não se concebe em um Estado que se declara “Democrático de Direito” (art. 1º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) -, pois o mínimo que os cidadãos podem pretender é saber as razões pelas quais são tomadas as decisões expedidas por quem tem de servi-los.

Deveras, o administrado, para insurgir-se ou para ter elementos de insurgência contra atos que o afetem pessoalmente, necessita conhecer as razões de tais atos.

O fundamento constitucional da obrigação de motivar está implícito tanto no inciso II do art. 1º, que indica a cidadania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, quanto no parágrafo único, também do art. 1º, segundo o qual todo o poder emana do povo, como ainda no art. 5º, XXXV, que assegura o direito à apreciação judicial nos casos de lesão ou ameaça a direito.

Ademais, a motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato.

Atos administrativos praticados sem atempestivamotivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário.

Atos administrativos praticados sem a suficiente motivação são, outrossim, ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário.

A Administração deve, então, detalhar os fundamentos de seus atos.

Os Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul (3ª Câmara Cível, AI 70056552342, Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler, j. 31/10/2013, DJ 14/11/2013) e de Santa Catarina (4ª Câmara de Direito Público, Reexame Necessário no MS 20120907433, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 12/06/2013, DJ 24/06/2013) já entenderam que motivação genérica equivale à ausência de fundamentação.

Assim também já entendeu o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (Remessa Necessária Cível 00002079820078140030, Relª. Desª. Celia Regina de Lima Pinheiro, j. 17/09/2018, DJ 20/11/2018), destacando, inclusive, que a Administração tem o dever de, suficientemente, justificar todos os seus atos, quer discricionários, quer vinculados.

Quanto ao alcance de tal dever, invocando a necessidade da possibilidade de controle da legalidade dos atos administrativos, mormente à luz do “princípio da inafastabilidade da jurisdição”, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por oportuno, esclarece:

O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. (Destaquei) (“Direito Administrativo“, 21ª ed.. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77).

Por tudo isto, nas palavras de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari:

(…). Não basta que a autoridade invoque um determinado dispositivo legal como supedâneo de sua decisão; é essencial que aponte os fatos, as inferências feitas e os fundamentos de sua decisão. (…). (Destaquei) (“Processo Administrativo“, 2ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 76).

À luz do disposto no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal, ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal.

O inciso LV, também do art. 5º da Lei Maior, por sua vez, dispõe: aos litigantes, em processo administrativo, será assegurada a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

“Privar” da propriedade não é simplesmente elidi-la, mas também o é suspender qualquer atributo legítimo a ela inerente. É dizer: a privação não precisa ser completa para caracterizar-se como tal. Assim, para desencadear consequência desta ordem, a Administração terá que obedecer a um processo regular, o qual, demanda ampla defesa.

A ampla defesa, aliás, constitui verdadeiro desdobramento do princípio do devido processo legal.

O princípio da motivação, por seu turno, é, evidentemente, consectário da ampla defesa.

É que, para que a defesa seja ampla, isto é, para que o administrado possa, efetivamente, “lançar mão” dos meios e recursos a ela inerentes, necessita conhecer as razões dos atos que o afetam, razões essas que, repita-se, devem ser tempestivas e suficientes, sob pena, igualmente, de cerceamento de defesa.

Exemplificativamente, não são em outro sentido os seguintes julgados: (TJ-SP, 1ª Câmara de Direito Público, APL 195833920078260482, Rel. Des. Vicente de Abreu Amadei, j. 25/09/2012, DJ 27/09/2012; TRF-1, AMS 200434000211569, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, j. 30/06/2008, DJF 04/08/2008; e TRF-2, 8ª Turma, AC 404.050, Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, j. 05/07/2007).

Até por isto, de acordo com a chamada “teoria dos motivos determinantes”, uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, a eles estará vinculado, sob pena de invalidade.

Acerca desta teoria, Celso Antônio Bandeira de Mello bem assevera:

(…) se o agente se embasar na ocorrência de um dado motivo, a validade do ato dependerá da existência do motivo que houver sido enunciado. Isto é, se o motivo que invocou for inexistente, o ato será inválido. É esta vinculação do administrador ao motivo que houver alegado que se conhece doutrinariamente como ‘teoria dos motivos determinantes’ (…). Assim, por exemplo, se o agente disser que remove o funcionário tal por ausência de trabalho suficiente no local em que presta serviço, o ato será invalidável se o funcionário demonstrar que, pelo contrário, havia acúmulo de serviço na unidade em que trabalhava. (grifos nossos) (“Curso de Direito Administrativo”, 30ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 401/402).

Já comungou deste raciocínio, por exemplo, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: Autos nº 01822200614903000, RO, Relª. Desª. Fed. Maristela Íris S. Malheiros, j. 08/05/2007.

Ademais, além dos fundamentos de direito e de fato, a Administração tem o dever de apontar a correlação lógica entre os eventos que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.

Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato.

Trata-se da “causa”do ato administrativo, cuja falta o invalida. É dizer: se o agente se baseia em motivos que não mantêm pertinência com o ato que praticou, este estará viciado.

Autor: Ahmad Jamal Ahmad El Bacha, Advogado, Mestre em Direito Processual Cível.

Sócios:
Amir Mazloum
Walid Mazloum

Agradecemos por acompanhar este artigo até o final. Esperamos que tenha sido informativo e esclarecedor. Caso tenha restado alguma dúvida, não hesite em procurar um profissional capacitado.