27
dez 2023
TUTELA PREVENTIVA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Silvio Rodrigues assim conceitua os chamados “direitos da personalidade”:
“(…) outros direitos há que são inerentes à pessoa humana e portanto a ela ligados de maneira perpétua e permanente, não se podendo mesmo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra.” (destacamos) (“Direito civil – parte geral“. Volume I, 34ª Ed.. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 61).
No que concerne à classificação destes direitos, destaca-se a bipartida, a saber: (a) direito à integridade física e (b) direito à integridade moral. O direito à vida eo direito à saúde sãoexemplos do primeiro, enquanto o direito à honra e o direito à imagem exemplificam o outro (GOMES, Orlando. “Introdução do direito civil“. 14ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 153).
Aqui, chama-se a atenção para o fato de que os direitos da personalidade não são exaustivos, isso porque, nos exatos termos do Enunciado n° 274 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, “(…) são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1°, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana).” (destacamos).
De acordo com Franciellen Bertoncello, a primeira característica de tais direitos é a essencialidade (“Direitos da personalidade: uma nova categoria de direitos a ser tutelada“. Dissertação de Mestrado em Direito, Orientador: Wanderlei de Paula Barreto, Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, 2006, p. 24).
Com efeito, quanto ao direito à integridade física, o direito (individual) à vida, insculpido no caput do art. 5° da Constituição da República, e o direito (social) à saúde, agasalhado pelo caput do art. 6°, também da “Lei Maior”, são verdadeiramente fundamentais, conforme o “Título II” da própria “Magna Carta” – “DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS“.
Por sua vez, o art. 5º, caput, inciso X, da Constituição Federal expressamente se refere ao direito à integridade moral: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (destacamos).
Contudo, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (inciso XXXV do caput do art. 5º da Constituição Federal).
O inciso XXXV do caput do art. 5º da CRFB/88 é, na pena de Clayton Maranhão, “(…) o fundamento maior para que se admita uma tutela geral de prevenção do ilícito.” (destacamos) (“Observações sobre o ilícito, o dano e a tutela dos direitos fundamentais“. Revista Trimestral de Direito Civil. Padma: Rio de Janeiro, v. 4, p. 17-22, out./dez. 2000, p. 19).
Nesta linha são as lições de Luiz Guilherme Marinoni, senão vejamos:
“Não há dúvidas de que o direito de acesso à justiça, assegurado por nossa Constituição Federal (art. 5º, XXXV), garante o direito à adequação da tutela jurisdicional e, assim, o direito à técnica processual capaz de viabilizar o exercício do direito à tutela inibitória. É possível afirmar até mesmo que a inserção da locução ‘ameaça a direito’ na verbalização do princípio da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, CF) teve por fim garantir a possibilidade de qualquer cidadão à tutela inibitória.” (destacamos) (“Tutela inibitória: individual e coletiva“. 4ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 81-82).
Logo, malgrado o art. 5º, caput, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil se referir apenas à tutela ressarcitória, os direitos da personalidade também podem/devem ser tutelados de forma preventiva/inibitória.
Aliás, no que tange aos direitos à vida privada, à honra, à intimidade e à imagem, especialmente, nas palavras de Franciellen Bertoncello, “(…) a reparação do dano é absolutamente insatisfatória, impondo-se uma tutela preventiva.” (destacamos) (“Direitos da personalidade: uma nova categoria de direitos a ser tutelada“. Dissertação de Mestrado em Direito, Orientador: Wanderlei de Paula Barreto, Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, 2006, p. 135). Didaticamente, Ada Pellegrini Grinover explica:
“A superioridade da tutela preventiva foi recentemente assinalada, frente à inviabilidade frequente da modalidade tradicional de tutela que consiste na aplicação de sanções, quer sob a forma primária de restituição ao estado anterior, quer sob as formas secundárias de reparação ou do ressarcimento. E a gravidade do problema, afirmou-se, aumenta de intensidade, quando se passa das relações jurídicas de caráter patrimonial àquelas categorias em que se reconhece ao homem uma situação de vantagem insuscetível de traduzir-se em termos econômicos: os direitos da personalidade.” (destacamos) (“A tutela preventiva das liberdades: habeas corpus e mandado de segurança“. Revista de Processo. São Paulo, nº 22, abr./jun. 1981, p. 27).
Em comunhão, José Carlos Barbosa Moreira e Sérgio Cruz Arenhart, com o brilhantismo que lhes é característico, asseveram, respectivamente:
“(…) uma proteção eficiente do direito à preservação da intimidade – e o mesmo se dirá dos direitos da personalidade, in genere – somente é concebível, em verdade, sob a forma da tutela preventiva. O funcionamento do mecanismo processual corresponderá ao que deles se espera na medida em que concorra de forma efetiva para evitar a lesão, ou quando menos para impedir que continue a produzir-se. As providências jurisdicionais de índole puramente repressiva ou sancionatória têm nesse campo valor reduzido, se é que algum tem.” (destacamos) (“Processo civil e direito à preservação da intimidade“. Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 5).
“(…) trata-se de forma de tutela de excelência e muito mais aprimorada que a repressiva, porque visa a impedir que os interesses subjetivos das partes e o ordenamento jurídico como um todo sejam ofendidos, situação que se evidencia de maneira particular em relação a direitos sem conteúdo patrimonial.” (destacamos) (“Perfis da tutela inibitória coletiva“. Volume 6, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 190).
Na dicção, novamente, de Franciellen Bertoncello, “(…) a vítima pode, ainda (além de prevenir o dano), pleitear a cessação da lesão, nos casos em que o dano se estenda no tempo.” (destacamos) (“Direitos da personalidade: uma nova categoria de direitos a ser tutelada“. Dissertação de Mestrado em Direito, Orientador: Wanderlei de Paula Barreto, Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, 2006, p. 136).
Enquanto o provimento ressarcitório busca apurar quem deve suportar o custo do DANO (já concretizado), o inibitório, frisa-se, tem por finalidade a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ILÍCITO.
Tudo isto posto, é neste sentido a regra inserta no art. 12 do Código Civil: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.“. (destacamos).
Especificamente, “(…) a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade (…).” (destacamos) (excerto do caput do art. 20 do Código Civil).
Ainda, “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (destacamos) (art. 21 do Código Civil).
Silvio Rodrigues observa que a cessação a que se refere o legislador civilista depende de ordem judicial (“Direito civil – parte geral“. Volume I, 34ª Ed.. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 65).
Se várias situações de direito substancial, na dicção de Luiz Guilherme Marinoni, “(…) diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva.” (destacamos) (“Técnica processual e tutela dos direitos“. 3ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 194).
Os arts. 497 (fase de acertamento), 536 e 537 (cumprimento de sentença) do CPC são os fundamentos processuais civis da tutela inibitória individual.
Franciellen Bertoncello anota que, “Embora as normas refiram-se a ‘obrigações’, ao que parece, autorizam elas, também, o uso deste procedimento para direitos não-obrigacionais, tais como os direitos da personalidade.” (destacamos) (“Direitos da personalidade: uma nova categoria de direitos a ser tutelada“. Dissertação de Mestrado em Direito, Orientador: Wanderlei de Paula Barreto, Centro Universitário de Maringá – CESUMAR, 2006, p. 137-138).
Nesta esteira, o legislador positivou a seguinte regra no § 5° do art. 536 do atual CPC, norma que trata do cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer: “O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.” (destacamos).
Nada obstante, falar apenas que é possível uma “ação para o cumprimento de um não fazer” quando se objetiva a obtenção de tutela preventiva de um direito da personalidade, por exemplo, é, conforme Marinoni, “(…) esconder o caráter essencialmente preventivo da ação inibitória (…).” (destacamos) (“Antecipação da tutela“. 12ª ed.. São Paulo: RT, 2011, p. 70).
A um só tempo, a tutela preventiva reconhece o direito e disponibiliza os instrumentos necessários à sua efetivação. Na dicção de Anelise Dell’Antonio Cadorin, “A ação inibitória (…), além de declarar o direito, expediente trivial da ação de conhecimento, está imbuída de força executiva.” (destacamos) (“Tutela inibitória e os direitos à intimidade e à privacidade“. Orientador: Alexandre Botelho, p. 12). Também nas palavras dela:
“O procedimento adequado a prestar a tutela preventiva é aquele que viabiliza a concessão de provimentos de natureza mandamental e/ou executiva lato sensu, porquanto, ao deterem inegável força executiva, possuem condições de realizarem o direito independentemente da atuação de qualquer outro instrumento.” (destacamos) (“Tutela inibitória e os direitos à intimidade e à privacidade“. Orientador: Alexandre Botelho, p. 12-13).
Por fim, para a concessão de um provimento inibitório, Joaquim Felipe Spadoni ensina que “(…) basta a demonstração da probabilidade de violação do direito. O elemento subjetivo dessa conduta (culpa) e sua eventual consequência (dano) não são requisitos exigíveis pelo magistrado para prover a prevenção do direito ameaçado.” (destacamos) (“Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC“. 2ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 61).
É neste sentido a regra contida no art. 497, parágrafo único, do CPC: “Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.” (destacamos).
Com efeito, a tutela inibitória, nos dizeres de Paulo Ricardo Pozzolo, “(…) visa à prevenção da prática, da repetição ou da continuação de uma conduta antijurídica, ilícita ou danosa, que pode ser positiva ou negativa, contratual ou extracontratual.” (destacamos) (“Ação inibitória do trabalho“. São Paulo: LTr, 2001, p. 36).
É que, apesar de a tutela preventiva destinar-se à inibição do ilícito, ela pode, mais uma vez na pena de Marinoni, “(…) em virtude de eventual identidade cronológica entre o ilícito e o dano, culminar por inibir o próprio dano.” (destacamos) (“Tutela específica: arts. 461 do CPC e 84 do CDC“. 2ª ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 16).
A jurisprudência não é em outro sentido, conforme ilustram os seguintes excertos de acórdãos proferidos pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e pelo Tribunal Regional do Trabalho/1ª Região, respectivamente:
“É necessária a verificação de um possível dano na esfera jurídica do titular, bastando a simples ameaça. A ameaça a direito é, então, elemento necessário porque faz relação à possibilidade de prevenir. Assim, a ação inibitória terá efeito futuro a fim de evitar que se produzam novos danos ou diminuir aqueles já produzidos. O objetivo desta proteção dos direitos é impedir, inibir e coibir o ato ilícito de modo que este não cause sequer lesão ao direito de seu titular ou, se já ocorreu o dano, que ele não se alastre ou amplie. O meio de proteção dos direitos da personalidade será através da tutela inibitória.” (destacamos) (Apelação Cível n° 2537861-39.2008.8.13.0024, 11ª Câmara Cível, Rel. Des. Alexandre Santiago, j. 03/07/2013, DJE 08/07/2013).
“Atualmente, com o advento do p. único do art. 497 do novo CPC, a controvérsia relativa ao cabimento da tutela inibitória perdeu completamente a sua razão de existir. O referido preceito legal, inclusive, deixou claro que, por se voltar para o futuro, a tutela inibitória não exige a demonstração da ocorrência de dano e a existência de culpa ou dolo, uma vez que seria teratológico exigir tais requisitos.” (destacamos) (Mandado de Segurança n° 0100898-71.2020.5.01.0000, SEDI-2, Rel. Des. Do Trabalho Antônio Paes Araújo, j. 17/06/2021, p. 28/0720210).