Antes de se fazer uma compra e venda, é necessário verificar se o bem (móvel ou imóvel) pertence, registralmente, ao vendedor. Isso porque, caso não seja este o proprietário, tem-se caracterizada a venda a non domino.

Ora, se o promitente vendedor não detém o poder de dispor da coisa, objeto do contrato de compra e venda, tem-se causa de nulidade absoluta, impossível de ser convalidada. E não é para menos: a propriedade nunca poderá ser transferida se o vendedor não for o proprietário (“ninguém pode transferir o que não tem”).

Nesse diapasão, destaca-se a importância de registrar a propriedade quando se adquire um imóvel. Lembrando que, o mero registro do contrato de compra e venda transfere apenas a posse, sendo necessária a transferência da propriedade mediante registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, realizando-se o pagamento dos correspondentes impostos.

O possuidor do imóvel, ainda que tenha firmado contrato de compra e venda com o proprietário, não pode alienar o bem enquanto não transferir a propriedade para o seu nome, sob pena de se ver caracterizada a venda a non domino.

Nesse sentido entende o E. Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO. VENDA DE IMÓVEL A NON DOMINO. NULIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O entendimento desta Corte preconiza que, no caso de venda por quem não tem o título de propriedade do bem alienado, venda a non domino não tem mera anulabilidade por vício de consentimento, mas sim nulidade absoluta, impossível de ser convalidada. 2. “Inaplicabilidade do prazo prescricional previsto no art. 178, § 9º, V, ‘b’, do Código Civil, se a hipótese cuidar, como no caso, de venda por quem não tinha o título de propriedade do bem alienado em garantia (venda a non domino), ou seja, venda nula, não se enquadrando, assim, nos casos de mera anulação do contrato por vício de consentimento” (REsp 185.605/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA). 3. O acolhimento da ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC exige que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo discrepante que viole o dispositivo legal em sua literalidade, porque, se a decisão rescindenda elege uma dentre as interpretações cabíveis, a ação rescisória não merece prosperar. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt na AR: 5465 TO 2014/0250984-0, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 12/12/2018, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 18/12/2018) – destacamos.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TUTELA DECLARATÓRIA. NULIDADE DE ATO JURÍDICO. QUITAÇÃO. PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA. DESCABIMENTO. VENDA DE IMÓVEL “A NON DOMINO”. NULIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DO PAGAMENTO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. “Os negócios jurídicos inexistentes e os absolutamente nulos não produzem efeitos jurídicos, não são suscetíveis de confirmação, tampouco não convalescem com o decurso do tempo, de modo que a nulidade pode ser declarada a qualquer tempo, não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais” (AgRg no AREsp 489.474/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 17/05/2018). 2. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, na venda “a non domino”, a propriedade transferida não produz efeito algum, havendo uma nulidade absoluta, impossível de ser convalidada pelo transcurso do tempo, sendo irrelevante a boa-fé do adquirente. Precedentes. 3. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7/STJ). 4. No caso concreto, a reforma do acórdão recorrido, quanto à ocorrência da venda “a non domino”, à nulidade da quitação e à ausência de prova do pagamento, demandaria o reexame de fatos e provas, vedado em recurso especial. 5. O Tribunal de origem, com base na interpretação dos elementos de convicção anexados aos autos, concluiu pela caracterização da litigância de má-fé. A alteração das conclusões do julgado também demandaria o reexame da matéria fática. 6. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt no AREsp: 1342222 DF 2018/0200058-4, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 09/11/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/11/2021) – destacamos.

No mesmo sentido decide o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE – VENDA A NON DOMINO – NULIDADE ABSOLUTA E INSANÁVEL DO NEGÓCIO JURÍDICO – ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DOS AUTORES RECONHECIDA DE OFÍCIO – PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. Na compra e venda a non domino a ineficácia do contrato se verifica justamente porque o alienante não é titular do poder de disposição. É máxima jurídica sedimentada que ninguém pode transferir o que não tem“. (TJ-SP – AC: 10474737920178260224 SP 1047473-79.2017.8.26.0224, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 03/04/2020, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/04/2020) – destacamos.

Mais ainda: no caso de venda a non domino, os adquirentes, mesmo munidos de boa-fé, não podem validar o ato jurídico para obter a propriedade do imóvel, vez que o real proprietário não expressou sua vontade de transferir o bem.

Tratando-se de venda a non domino, a responsabilidade do vendedor é objetiva, vez que agiu fora dos limites da legalidade ao vender um bem que não lhe pertence. Assim, identificada a situação narrada, o vendedor tem o dever de restituir a contraprestação do negócio jurídico nulo. Pela inteligência do art. 182 do Código Civil, declarada a nulidade do negócio jurídico, as partes devem voltar ao status quo ante; se impossível, o prejudicado deve ser indenizado com o equivalente.

Assim decide o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COMPRA E VENDA. Contrato celebrado por dois casais de compradores, a cada qual correspondendo metade de terreno, em condomínio pro diviso. Nulidade por venda a non domino. Terreno que não pertencia aos alienantes, mas ao Poder Público. Declaração de nulidade, contudo, que deve se limitar ao negócio celebrado pela autora e seu falecido marido, tendo por objeto a metade ideal do imóvel. Impossibilidade de declaração de nulidade integral do contrato, tendo em vista que os demais compradores não participaram da relação jurídica processual. Nulidade do parcial negócio que conduz ao retorno das partes ao status quo ante, com devolução do preço pago. Pretensão restituitória que, contudo, deve se limitar à parcela do preço paga pela autora e seu marido, excluída a parte paga pelos demais compradores, pena de enriquecimento sem causa. Dano moral. Ocorrência. Sofrimento e angústia causados ao adquirentes em virtude da venda a non domino, consumada por má-fé dos vendedores. Redução, contudo, do quantum indenizatório, observadas as peculiaridades do caso concreto. e as funções ressarcitória e preventiva da condenação. Sucumbência recíproca. Recurso parcialmente provido.” (TJ-SP – AC: 10080493520198260038 SP 1008049-35.2019.8.26.0038, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 09/02/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/02/2021) – destacamos.

Ainda, pode haver a necessidade de o vendedor indenizar o comprador pelos danos morais causados, que decorrem do sofrimento íntimo suportado ao descobrir que não adquiriu, de fato, a propriedade do bem.

Nesse sentido é a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COMPRA E VENDA. Contrato celebrado por dois casais de compradores, a cada qual correspondendo metade de terreno, em condomínio pro diviso. Nulidade por venda a non domino. Terreno que não pertencia aos alienantes, mas ao Poder Público. Declaração de nulidade, contudo, que deve se limitar ao negócio celebrado pela autora e seu falecido marido, tendo por objeto a metade ideal do imóvel. Impossibilidade de declaração de nulidade integral do contrato, tendo em vista que os demais compradores não participaram da relação jurídica processual. Nulidade do parcial negócio que conduz ao retorno das partes ao status quo ante, com devolução do preço pago. Pretensão restituitória que, contudo, deve se limitar à parcela do preço paga pela autora e seu marido, excluída a parte paga pelos demais compradores, pena de enriquecimento sem causa. Dano moral. Ocorrência. Sofrimento e angústia causados ao adquirentes em virtude da venda a non domino, consumada por má-fé dos vendedores. Redução, contudo, do quantum indenizatório, observadas as peculiaridades do caso concreto. e as funções ressarcitória e preventiva da condenação. Sucumbência recíproca. Recurso parcialmente provido.” (TJ-SP – AC: 10080493520198260038 SP 1008049-35.2019.8.26.0038, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 09/02/2021, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/02/2021) – destacamos.

Portanto, é necessário ser diligente e ter cuidado ao comprar ou vender um bem, devendo se atentar ao real proprietário. Recomenda-se, sempre, consultar um advogado, em especial para analisar e redigir o contrato de compra e venda com as devidas atenções legais, blindando, assim, seu negócio jurídico.

Autora: Marina de Jesus Lameira Carrico Nimer, advogada cível e previdenciária.

Pós-graduada em Direito Processual Civil (UNOPAR), Direito Digital (UNOPAR), Direitos Humanos (CEI) e Direito Penal Econômico e Europeu (IBCCRIM em parceria com o IDPEE da Universidade de Coimbra); Graduada em Direito (PUC/SP).